segunda-feira, outubro 02, 2006

A morte da estrada da morte


A estrada da morte, morreu. Finou-se o IP5, agora Auto-Estrada 25, obra nova erguida, qual Fénix, das cinzas de centenas de cadáveres. Contas por alto, a um erro de 20 anos, a uma média de 25 cadáveres por ano, entre estropiados, esmagados, carbonizados, e decepados, o "erro histórico" a que aludiu o primeiro-ministro matou 500 pessoas. Os feridos, entre gravidades mais ou menos graves, ascenderão à casa dos milhares. Há os estropiados, fisica ou mentalmente, e os que rasgados na carne e na alma vivem como se tivessem morrido no IP5, os vivos-mortos.
Agora que a A-25 liga Aveiro a Vilar Formoso, liga o Norte e o Centro a Espanha, o erro vê-se ainda mais grotesco. À falta de visão de fazer do IP5, com aquele traçado assassino, a principal entrada e saída do país, junta-se a ignominia de comprovar que, afinal, era possível fazer uma auto-estrada por aquelas serras, ditas à altura, intransponíveis noutro tipo de traçado, para a medida da bolsa portuguesa. Poupou-se no alcatrão, gastou-se em vidas, em indemnizações, em assistência pós-traumática. Não se investiu, gastaram-se vidas. Feitas as contas, se fosse possível racionalizar ao ponto de esquecer as mortes, talvez tivesse ficado mais barato optar logo pelo mais caro há 20 anos, pela tal auto-estrada que era tão impraticável, que foi preciso enterrar no IP mais de 500 vidas.
O erro histórico, comprovou-se a ele próprio todos os dias destes 20 anos, mas os únicos que pagaram por este pecado foram os que morreram, os familiares que cá ficaram, amputados, e os vivos-mortos, os sobreviventes físicos da brutalidade de um choque frontal com a morte. Os outros, os que desenharam a estrada, os que aprovaram troços como aquele de 13 fatídicos quilómetros (km 61 a 74), particularmente aquela curva à direita no fim de uma zona de ultrapassagem, com redução de duas para uma faixa, seguem impunes aos olhos da justiça. Resta saber se dormem...
Dos responsáveis políticos, dos que fizeram as contas à impraticabilidade de um A e optaram pelo IP, tenho memória de apenas um ter sido julgado, no caso, na praça pública das eleições presidenciais, que venceu no início do ano. Dos outros, bailam-me apenas na memória as memórias dessas frases, fantasmas, justificações da impossibilidade de acabar com a estrada da morte, quando esta ainda mal sabia manejar a foice!