sexta-feira, novembro 10, 2006

Atavismo vermelho (e verde)

Sempre me perturbou esta corrida constante dos portugueses para o Guiness Book of Records (GBR). Parece-me que os portugueses encontraram no GBR a forma de se agigantarem, se sobressaírem à pequenez a que se confinam diariamente. Desde os Descobrimentos que Portugal vive para o fausto, para a imagem de que é melhor, de que faz mais do que realmente faz. Um pouco como o Governo actual.

O livro do Guiness é a montra na qual Portugal desfila feitos só ao alcance dos melhores. A maior broa de milho, o maior pão, o maior chouriço e imagine-se, até a junção de dois títulos mundiais: o maior pão com chouriço do Mundo. Não tarda, temos aí o maior bolo-rei do Mundo, no trilho de tão louváveis recordes como a maior fogaça, o maior pão-de-ló ou maior feijoada (não sei se cumulativo com o título de maior refeição servida em cima de uma ponte).

Hoje, percebi que o benfica não é só, como dizem os benfiquistas, "o maior clube de Portugal".O Benfica é Portugal, o país boçal, parado no tempo, que se afirma pelos recordes no Guiness. A actual direcção benfiquista, também um símbolo da chico-esperteza e oportunismo luso (os principais dirigentes são ambos sócios do F. C. Porto, espécie de mercenários à espera de uma oportunidade para se afirmarem no mundo da bola), transformou o Benfica no ícone da parolice (sem que isso me custe minimamente, pelo contrário), do atavismo nacional.

A inscrição do recorde proporcionou mais um dia de glória nacional. Ao recorde de clube com maior número de sócios, juntaram-se os recordes, me simultâneo, da mais ridícula conferência de imprensa, do mais inútil directo, do maior desperdício de tempo de antena e, pouco depois, da mais boçal reportagem de rua. É isto o benfica. É o país daquele homem que chora, orgulhoso e comovido, em directo na televisão de Carnaxide, com tão nobre feito do clube da águia. Plural, é, também, o clube deste homem.

O presidente, que ameaçou demitir-se por quase tudo e por quase nada, que disse que iria embora se o Benfica não chegasse aos 300 mil sócios, congratulou-se, em tempo de novo mandato, pela inscrição do benfica no GBR, como o clube com mais associados: 160 mil. Isto é, cerca de metade do que considerava requisito mínimo para continuar à frente do clube. Resta saber se Vieira não vai ameaçar demitir-se caso o Barcelona, o Manchester United, ou algum clube sul-americano lhe tirar o título (o do Guiness, porque dos outros, dos que contam, estamos conversados...). Talvez Vieira se demita se esta glória suprema de estar no Guiness for atirada para o baú do esquecimento por algum fenómeno do Entroncamento de última hora, tipo o maior nabo ou a maior batata, que se imponha na agenda dos média portugueses, sempre tão solícitos para mostrar aos outros portugueses os feitos do Guiness conseguidos em Portugal.

Confirmado o recorde, por "um representante do Livro dos Recordes do Guiness", como na circunstância foi pomposamente referido pelos média lusos, resta saber ao lado de que outros nobre recordes este será colocado. Tão eloquentes recordes como "O homem com os maiores pêlos a sair dos ouvidos", "O ranho mais rápido" ou o "Mais longo Lançamento de Anão", entre outros aqui vistos, seriam adequadas companhias a tão parola iniciativa.

Tendo em conta a forma como esta acção de imagem foi montada, aproveitando o momento em que o benfica chega aos 160 mil sócios, ao circunstancial primeiro lugar, em resultado de uma campanha de angariação de associados, o recorde que melhor casa com o do benfica, pelo carácter efémero de ambos, dá pelo nome de Angus, o Rei da Montanha.