quinta-feira, novembro 23, 2006

Barriga cheia

"Mais acertado esteve o Governo ao anunciar que vai acabar com o regime especial de saúde de que beneficiam os jornalistas. Esta posição, ultraminoritária entre os jornalistas, é tomada em consciência e não por, pessoalmente, beneficiar de um salário mais elevado do que a média ou de o meu jornal incluir entre os seus benefícios sociais um seguro de saúde"

José Manuel Fernandes, directo do jornal Público, na edição de 21 de Novembro, em editorial, referindo-se ao fim da caixa de previdência dos jornalistas.

Como se prova, é fácil ser liberal quando se está de barriga cheia e costas aquecidas.
Belas palavras de um jornalista que também é administrador da empresa em que trabalha, e que, enquanto director do jornal, quando confrontado com a decisão da empresa - em que se calhar até participou - de despedir mais de meia centena de jornalistas, reagiu, condoído e solidário, com uma cartinha a lamentar o inevitável. Ele lá continua, com o tal salário "acima da média" e um "seguro de saúde" - que não tarda, cá como nos EUA, será obrigatório para atendimento no (moribundo) Sistema Nacional de Saúde (SNS), esse projecto de Fénix que renascerá das cinzas como o SPS (Serviço Pago, ou Privado, como queiram, de Saúde).

Na saga, apoiada por JMF, de acabar com os "privilegiados", o Governo está simplesmente a nivelar o país por baixo. Em vez de acabar com os supostos "privilégios" dos magistrados, dos polícias e dos jornalistas, o Governo, que tem a obrigação, moral, histórica e constitucional de zelar pelo bem dos cidadãos, deveria era pugnar pelo aumento dos "privilégios" dos restantes cidadãos.

Já agora, senhor JMF, escreva lá qualquer coisa sobre a ADSE, o sistema próprio de deduções dos funcionários públicos. E, senhor ministro, este privilégio não acaba também? Ou somos todos cidadãos de segunda ou ainda restarão privilegiados?

sexta-feira, novembro 17, 2006

No país do Simplex e do Prace

No País do Simplex, os residentes dos concelhos de Vila Nova de Gaia, Matosinhos, Leça e Gondomar, no distrito do Porto, têm de renovar o bilhete de identidade através do arquivo de Lisboa.
No país do Prace, demora oito dias úteis, agora, porque ao que dizem "no verão era pior" renovar o B.I.
Ainda bem que temos Simplex e Prace. Imagino que sem estas tão emblemáticas e propagandeadas medidas governamentais demoraria aí uns dois meses, como no tempo da outra senhora...

sexta-feira, novembro 10, 2006

Atavismo vermelho (e verde)

Sempre me perturbou esta corrida constante dos portugueses para o Guiness Book of Records (GBR). Parece-me que os portugueses encontraram no GBR a forma de se agigantarem, se sobressaírem à pequenez a que se confinam diariamente. Desde os Descobrimentos que Portugal vive para o fausto, para a imagem de que é melhor, de que faz mais do que realmente faz. Um pouco como o Governo actual.

O livro do Guiness é a montra na qual Portugal desfila feitos só ao alcance dos melhores. A maior broa de milho, o maior pão, o maior chouriço e imagine-se, até a junção de dois títulos mundiais: o maior pão com chouriço do Mundo. Não tarda, temos aí o maior bolo-rei do Mundo, no trilho de tão louváveis recordes como a maior fogaça, o maior pão-de-ló ou maior feijoada (não sei se cumulativo com o título de maior refeição servida em cima de uma ponte).

Hoje, percebi que o benfica não é só, como dizem os benfiquistas, "o maior clube de Portugal".O Benfica é Portugal, o país boçal, parado no tempo, que se afirma pelos recordes no Guiness. A actual direcção benfiquista, também um símbolo da chico-esperteza e oportunismo luso (os principais dirigentes são ambos sócios do F. C. Porto, espécie de mercenários à espera de uma oportunidade para se afirmarem no mundo da bola), transformou o Benfica no ícone da parolice (sem que isso me custe minimamente, pelo contrário), do atavismo nacional.

A inscrição do recorde proporcionou mais um dia de glória nacional. Ao recorde de clube com maior número de sócios, juntaram-se os recordes, me simultâneo, da mais ridícula conferência de imprensa, do mais inútil directo, do maior desperdício de tempo de antena e, pouco depois, da mais boçal reportagem de rua. É isto o benfica. É o país daquele homem que chora, orgulhoso e comovido, em directo na televisão de Carnaxide, com tão nobre feito do clube da águia. Plural, é, também, o clube deste homem.

O presidente, que ameaçou demitir-se por quase tudo e por quase nada, que disse que iria embora se o Benfica não chegasse aos 300 mil sócios, congratulou-se, em tempo de novo mandato, pela inscrição do benfica no GBR, como o clube com mais associados: 160 mil. Isto é, cerca de metade do que considerava requisito mínimo para continuar à frente do clube. Resta saber se Vieira não vai ameaçar demitir-se caso o Barcelona, o Manchester United, ou algum clube sul-americano lhe tirar o título (o do Guiness, porque dos outros, dos que contam, estamos conversados...). Talvez Vieira se demita se esta glória suprema de estar no Guiness for atirada para o baú do esquecimento por algum fenómeno do Entroncamento de última hora, tipo o maior nabo ou a maior batata, que se imponha na agenda dos média portugueses, sempre tão solícitos para mostrar aos outros portugueses os feitos do Guiness conseguidos em Portugal.

Confirmado o recorde, por "um representante do Livro dos Recordes do Guiness", como na circunstância foi pomposamente referido pelos média lusos, resta saber ao lado de que outros nobre recordes este será colocado. Tão eloquentes recordes como "O homem com os maiores pêlos a sair dos ouvidos", "O ranho mais rápido" ou o "Mais longo Lançamento de Anão", entre outros aqui vistos, seriam adequadas companhias a tão parola iniciativa.

Tendo em conta a forma como esta acção de imagem foi montada, aproveitando o momento em que o benfica chega aos 160 mil sócios, ao circunstancial primeiro lugar, em resultado de uma campanha de angariação de associados, o recorde que melhor casa com o do benfica, pelo carácter efémero de ambos, dá pelo nome de Angus, o Rei da Montanha.

sexta-feira, novembro 03, 2006

Economia de cordel

Um artido da revista Slate relata a forma como algumas grandes empresas mundiais estão a proceder a cortes nas despesas. No artigo intitulado "Pinching the Penny Pinchers - Idiotic Examples of Corporate Cost-Cuting", o autor, Daniel Gross, fala da Yahoo!, da Ford e do Crédite Suisse.
Aqui ficam alguns excertos significativos da tendência das grandes multinacionais: apertar ao máximo com os trabalhadores (vulgo colaboradores na linguagem neoliberal), levando o corte das despesas ao ridículo, exasperando os trabalhadores (perdoem-me a incapacidade para escrever colaboradores), arriscando a causar mossas no ambiente de trabalho, a bem de números finais que possam apensar em gráficos - cremos que apesar dos exemplos, coloridos, para o topo da cadeia alimentar, leia-se hieraquia - constantando a redução da despesa e o aumento dos lucros.
Resultados que farão crescer o valor das acções, aumentando os rendimentos de uma espécie humana que passa uma vida inteira sem nada produzir, vivendo apenas do expediente da especulação - todos saberão como se chama esta espécie.
Sem mais, porque muito mais haveria e não é este o tema nem o "timming" do post, os excertos mais significativos do texto de Daniel Gross:

"As reduções de custos em grupos com grandes lucros, como Crédit Suisse, são impostas com indiferença impiedosa. E, porque são arbitrárias e parecem concebidas para impor o máximo de contrariedades aos colaboradores, podem muito bem ser perigosas para o ânimo destes".

"O que exaspera os empregados é verem as suas modestas vantagens reduzidas, enquanto o desperdício reina em muitos outros domínios. O Crédit Suisse concede, todos os anos, prémios de sete algarismos a centenas dos seus banqueiros. Anunciar a colaboradores, que estão a preparar uma posição de conjunto sobre as transações dos clientes, que não podem imprimir as suas apresentações em Power Point a cores, porque a empresa tem de fazer ecomomias de cordel, parece uma futilidade".

quinta-feira, novembro 02, 2006

As cebolas, parte 2

Compramos cebolas.
Confirma-se a natureza das mesmas e a humanidade dos humanos.

Vide As Cebolas

quarta-feira, novembro 01, 2006

Dias confusos

Hoje, 1 de Novembro, é dia de todos os Santos. Amanhã, dia 2 de Novembro, é que é o dia nacional da dissimulação.
Hoje, 1 de Novembro, é dia de cobrar as promessas feitas para o dia de S. Nunca, se for à tarde ainda vai a tempo. Amanhã, dia 2 e Novembro é que é o dia de ir aos cemitérios pôr flores e chorar lágrimas de crocodilo.
Hoje, dia 1 de Novembro, é dia de lembrar os santos esquecidos do calendário religioso. Amanhã, dia 2 de Novembro, de Fiéis Defuntos, a romaria anual da hipocrisia aos cemitérios lembra os parentes idos e todo o resto do ano esquecidos.

Sol de pacotilha

O primeiro-ministro, José Sócrates, inaugurou, nestes dias recentes, com a pompa que se calhar a circustância dispensava, a maior central de produção de energia solar da Europa. Pelo menos, assim creio ter ouvido, de rompante e à tangente do tempo, nas ondas efémeras da rádio, entre curva-e-contra-curva, buzinadela e insulto, verbal ou gestual, em mais um regresso a casa após a jorna.
Se não estou em erro, José Sócrates é o primeiro-ministro de um Governo que retirou dos benefícios fiscais as despesas com a instalação de energia solar. Se não estou em erro, repito.Errado ou certo, voltarei à questão, debruada a negro pela nega célere (a pelo menos 212 km/h) do ministro da Economia à eventualidade da energia nuclear em Portugal. Um tema, aliás, já aqui abordado na tasca.
A não se confirmar erro cá do povo da tasca, parece que estamos perante mais uma gafe deste governo, a fechar uma semana - ou a abrir uma outra - pródiga em confusões ministeriais, mal secretariadas e pior assessoradas. Mau, muito mau para um Governo que, desde o início, faz profissão de fé na imagem, que desde sempre aposta forte na imagem de que faz, de que faz bem feito, ainda que por vezes o pouco que consegue fazer mais valia não ter feito. Mau para um Excutivo que, por vezes, dá a impressão de que prefere fazer boa figura a figurar entre os que fazem obra. Para quem vive da imagem, estes últimos dias foram muito baços, nebulosos e corrosivos...